Francisco nasceu de madrugada. Às 4h21 de uma quarta-feira que parece ter durado uma vida inteira e acabado em 15 minutos. Tudo ao mesmo tempo.
Nosso filho chegou na hora que quis, do jeito que quis e escolheu o seu lugar de chegada a esse mundão. Nasceu com o pé na porta e a boca no mundo, chorando a plenos pulmões desde seu primeiro instante fora da barriga. Foi lindo, intenso e imprevisível.
Completávamos 41 semanas e 3 dias de uma gestação tranquila, divertida e muito, muito animada. E, até então, não havia sinal de trabalho de parto. “Você já perdeu o tampão?”. “Tá sentindo alguma coisa?”. “Alguma mudança?”. “Nem uma contraçãozinha?”. Perdi a conta de quantas vezes respondi a essas mesmas perguntas, com ligeiras variações, nas duas semanas que antecederam o nascimento do Francisco. E minhas respostas eram sempre as mesmas: não, não e não.


Durante a gestação inteira me preparei muito para um parto normal, desejando que tudo acontecesse da forma mais natural possível. Rebolava, dançava, tomei óleo de prímula para ajudar a abertura do colo do útero, homeopatia, caminhei, meditei, quase abri um buraco no chão da sala de tanto que quiquei na bola.
Nosso plano era ter um parto humanizado em uma casa de parto. Frequentamos rodas de gestantes, pesquisamos um bocado e tiramos todas as dúvidas que surgiram ao longo desse processo com a maravilhosa e iluminada Alice nossa obstetra, e a queridíssima Mariksa, nossa doula.
Eu e Alison não considerávamos que o hospital fosse de fato uma opção para nós. Primeiro, por medo do Covid, Segundo, porque eu tinha o trauma de uma cesária anterior e não queria isso p minha vida novamente.
Eu desejava viver o parto. Sempre me imaginei passando pelas contrações, fazendo força, deixando meu corpo trabalhar para colocar uma vida no mundo. Queria vivenciar essa experiência não apenas como ritual de cura, mas principalmente como mulher. Queria sentir essa potência sagrada nossa. Conhecer minha força, meus limites, meu corpo.
Era segunda-feira à noite quando percebi a tão esperada cólica, seguida de uma mancha amarronzada na calcinha. Eu estava com 41 semanas e dois dias de gestação. Dessa vez, ao contrário de tantos e tantos pródromos registrados durante a gravidez, não era mais um. Mas à primeira vista, não tivemos bem certeza do que era.
Conversamos com a nossa equipe por mensagem, mandamos foto e elas disseram que estava na hora. Fomos orientados a monitorar as contratações.
Lá pelas 17h comecei a sentir um certo incômodo na lombar, uma leve cólica como a que antecede a menstruação. Entrei no banho quente, que pode ajudar tanto a engatar o trabalho de parto como a aliviar as dores, e fiquei debaixo d’água por uns 40 minutos. Conversei com neném, falei que estávamos preparados para recebê-lo, cantei, chorei, rezei, mas nada aconteceu. Então, voltei para a cama.
Aos poucos, ao longo da madrugada, a cólica foi mudando de lugar, vindo para o baixo ventre. Lá pelas 4h da manhã, quando me levantei outra vez, era algo muito, muito forte. E a Alice nos chamou para a suíte. Organizamos tudo e fomos. Chegando lá descansei. Quando acordamos Caminhei pelo bairro fiz algumas posturas para aliviar a dor e fui de novo para o banho. Agora eu sabia como eram as contrações.
Pois bem. As cólicas pareciam não evoluir e o sol já tinha nascido. Normalmente, o que se conta nas rodas de gestante é que, pensando na natureza, é muito mais seguro parir na escuridão, como forma de proteger os filhotes. Por isso, o raiar do dia geralmente desengata o trabalho de parto.
E foi o que eu pensei que ia acontecer, já que a coisa não engrenava.
Então chorei. Chorei e fui encorajada pela minha doula a libertar o que me aprisionava. E eu fiz, pedi perdão ao meu filho. Beijei o meu marido e me declarei a ele. Esse foi meu primeiro parto do dia.

Rita S’antanna 16. 10. 20, [25.10.21 14:54]
Até umas 11h ainda estava ligada em tudo o que acontecia ao meu redor e conseguia raciocinar com clareza. Fiz uma seção de exercícios e as contratações só aumentavam. Após o almoço, tentei descansar.
Mas, de uma hora para outra, meu nível de dor foi de 4 para 9, em uma escala de zero a 10. Eu desliguei. Parei de responder quando o Alison falava comigo, perdi a noção da hora e do que estava acontecendo em volta de mim. Fui ficando cada vez mais para dentro, enquanto tentava entender a melhor forma de deixar as contrações fluirem pelo meu corpo sem ficar brigando com a dor. A coisa veio tão forte, de forma tão súbita, que eu não conseguia processar direito.
Alice fez o toque e estava com 4 cm de dilatação, meu bebê estava laaaa no meu coccix. teríamos dois trabalhos o de tirar ele das costas e afinar o colo p a dilatação acontecer. Alice fez uma manobra, pois meu colo era muito rígido, o neném não estava dando conta de rasgar aquela parte. Conseguimos aí chegar a 6cm de dilatação. E tome exercícios, agacha, rebola, caminha, quica, movimento de pelve e nada! as contrações não paravam, o neném não desistiu de trabalhar empurrava e empurrava. Meditei, entrei na piscina e já estava escuro. Me alimentei e novamente tentei descansar mas sem sucesso. As dores eram fortes demais p deitar e cochilar. Quando me foi sugerido um banho. Ali tive uma catarse, e meu segundo parto. Tive visões, indígenas me rodeavam, luzes e barulho de floresta. Pensei que a hora do expulsivo havia chegado. Ao me examinar tínhamos 7cm.
Nesse momento as dores não permitiam mais nenhum tipo de raciocínio.
Mas ouvi meu coração. Resolvi meditar, e tentar descansar.
E nesse momento eu senti a maior e mais longa de todas as dores que já tinham passado por mim.
Completamente fora de mim, pedi. Pedi p aquilo acabar. Eu não conseguia mais. E elas me viram, me ouviram e me acolheram.
Apesar da súbita mudança de planos, na hora senti uma calma imensa. Conversei com meu filho e expliquei p ele que ele não sairia mais pelo caminho traçado por mim, mas pelo caminho traçado pelo destino, nosso, meu e dele (s). Meu bebê contava comigo, precisava de mim. Só de mim. E isso me reabasteceu até o final. Parecia que as contratações, que não cessavam, não doíam mais, eu respirava e aguardava pacientemente a chegada ao hospital.
Para ser bem sincera, eu já não via mais nada. Estava totalmente voltada para mim mesma e para o bebê e mal percebia a movimentação frenética ao meu redor. O Alison resolveu as burocracias de internação e eu fui ser examinada e preparada para a cesariana.
Quando a equipe de parto chegou. Um anestesista gente fina, uma médica go toda preocupada com meu conforto e em ser delicada comigo e com o bebê. E o pediatra que recebeu minha primeira filha seis anos atrás.
Alison estava comigo, me dando o apoio desde o primeiro momento.
Senti uma paz profunda e tive a certeza de que tudo daria certo. Estava tudo bem.
Eu sentia meu corpo gritar, como se cada célula estivesse em combustão, trabalhando a todo vapor… Eu era eu, mas não era. O meu corpo era como uma ponte que tentava permanecer de pé no meio da maré furiosa.
Eu estava totalmente imersa em mim mesma e completamente entregue.
Francisco nasceu. De uma vez só. Deslizou para fora do meu corpo chorando com toda força. E eu mal acreditei quando vi aquela criaturinha inteira, grande, agitando os bracinhos e esperneando. Ele veio pra mim, eu enchi ele de beijos, abençoei sua existência e assim foi. Foram meses de “você quer ser o primeiro a pegar o bebê?”, “será que você vai aguentar?”, “e se você passar mal?”.

Aconteceu meu parto. Foi assim. E eu estava totalmente fora de órbita. De emoção, de incredulidade, de gratidão, de alegria.
Demorou alguns dias para processar tanta emoção e entender tudo o que aconteceu naqueles dias. E até hoje parece que não foi real.

Foi sorte ter um parto mil vezes melhor do que eu havia sonhado (e planejado) e ainda não sei como foi que essa roda da fortuna apontou para nós. Só sei que meu filho nasceu me mostrando que eu sou mais forte do que jamais poderia imaginar. E que eu sempre vou ser grata por termos feito essa viagem juntos.

 

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